PIX

Hoje o Brasil entrou no radar dos Estados Unidos de novo. O motivo? A boa e velha pirataria. Segundo eles, estamos deixando rolar solto a venda de produtos falsificados, desbloqueio de videogames, caixinhas de IPTV pirata e tudo mais que aparece em lugares como a ‘25 de Março’, no centro de São Paulo.

Nada muito novo sob o sol. O Brasil já foi citado outras vezes em relatórios internacionais por supostamente não proteger direito a propriedade intelectual. Mas agora o buraco é mais embaixo: os EUA abriram uma investigação formal usando a tal da Seção 301, uma lei deles que permite aplicar sanções comerciais contra países considerados desleais no comércio.

Em outras palavras, se eles não gostarem da resposta do Brasil, podem cobrar ainda mais tarifas em cima dos nossos produtos, ou dificultar negociações. Tudo isso por conta da pirataria. Sim, mais tarifas. Porque parece que não basta exportar soja, carne e minério: a gente também tem que seguir as regras do jogo deles, mesmo quando o jogo ignora nossas desigualdades.

E tem mais: o relatório ainda menciona um certo desconforto com o crescimento do Pix como meio de pagamento rápido e difícil de rastrear em transações ilegais. Em tom de crítica velada, os EUA apontam que o Pix pode estar facilitando esse “mercado informal digital”, como se a solução fosse travar a tecnologia em vez de enfrentar a desigualdade que sustenta esse sistema.

Mas peraí. A conversa não pode ser só sobre leis, comércio e métodos de pagamento. Tem uma questão mais profunda rolando aqui. Porque o que os EUA chamam de “ameaça à indústria criativa” é, pra muita gente aqui, a única forma de ter acesso a cultura, diversão e tecnologia. Em um país tão desigual quanto o nosso, nem todo mundo pode pagar por um jogo original, um streaming, um canal por assinatura. Não é questão de escolha. É questão de realidade.

Sim, tem quem lucre com a pirataria. E isso precisa ser discutido. Mas também tem uma diferença entre quem vende DVD pirata na calçada pra pagar o aluguel e quem fatura milhões com serviços clandestinos. E o problema é que, pro olhar de fora, tudo isso é colocado no mesmo balaio.

Quando os EUA chamam a ‘25 de Março’ de “mercado notório”, o recado é claro: “vocês não estão fazendo nada pra resolver isso”. Mas a gente também pode responder: “e vocês, o que têm feito pra combater a exclusão digital e cultural que também vem do modelo de mercado de vocês?”

Pode parecer que a gente está sempre batendo na mesma tecla, e talvez até soe repetitivo falar disso de novo. Mas a verdade é que a pirataria no Brasil é reflexo de um sistema injusto. Não é só sobre burlar a lei. É sobre sobreviver, participar, se entreter, aprender, se sentir incluído.

E não, isso não significa passar pano ou dizer que tudo está certo. Mas também não dá pra tratar o tema com a mesma lógica de quem vê o mundo da janela de um prédio espelhado em Nova York.

Se os EUA querem pressionar, beleza. Mas talvez a melhor resposta do Brasil não seja apenas colocar mais fiscal na rua. Talvez seja abrir um debate mais honesto sobre por que o acesso à cultura, à arte e ao conhecimento ainda é visto como privilégio.

Esse é o ponto.

E a gente precisa enfrentar isso de frente, com coragem e sem vergonha de continuar essa discussão.