Liquid Glass: O futuro é retrô (de novo)
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Nos últimos anos, venho reparando numa tendência curiosa (e um pouco preocupante): a nostalgia virou produto. Mas não tô falando só daquela vontade boba de rever um filme antigo ou escutar um som dos anos 2000. Tô falando de empresas gigantes vendendo o passado como se fosse futuro, e a Apple tá no topo dessa lista.
Durante a daily de hoje, comentávamos sobre o novo visual do sistema da Apple, o tal do “Liquid Glass”. Falei na hora: “Nossa cara, isso parece muito a tendência do iMac”. Um colega completou: “Ou até algo vindo do Windows Vista!”. Rolaram algumas risadas, mas a ficha caiu ali. Será que a Apple está reciclando justamente um estilo que foi popularizado pelo Windows Vista, tudo empacotado como se fosse inovação?
Pra quem viveu aquela época, o déjà vu é imediato. Os iMacs coloridos e translúcidos chamavam atenção no hardware, enquanto no software o Windows Vista introduziu janelas com efeitos de vidro, o famoso Frutiger Aero. Esse estilo fazia parte de um movimento visual maior dos anos 2000, que misturava transparência, brilho metálico, efeitos naturais e um certo otimismo digital. E agora, tudo isso parece estar voltando, com camadas translúcidas, reflexos e animações suaves no novo iOS.
Curiosamente (mas não por coincidência, creio eu), esse mesmo estilo “vidro embaçado com reflexo” também dominou durante anos o ambiente gráfico do KDE, no mundo Linux. O efeito chamado de “blur” foi símbolo de uma era que misturava visual e funcionalidade.
O visual Aero foi revolucionário na sua época: trouxe transparência, profundidade e uma tentativa de dar sofisticação às interfaces de usuário. Mas hoje? É só referência visual. O que antes parecia ousado (e até futurista) virou fórmula. Botões, janelas e menus com vidro embaçado, tudo embalado com a narrativa de sempre: “o design mais avançado que já fizemos”. No fundo, o que vemos é apenas uma repaginada do que já existia, agora com o selo premium da Apple.
Isso não acontece só com a dona da Maçã. A indústria do entretenimento também tá afogada nessa lógica: filmes, séries, jogos… tudo virou reciclagem de franquias. Séries novas são canceladas antes de conquistar público ou lucro… Então vem a nostalgia como arma de vendas, com remasters, remakes, reboots, e uma estética calculada para garantir retorno rápido.
E a pergunta que fica é: cadê a inovação de verdade?
Quando tudo começa a parecer familiar demais, talvez não seja coincidência. Talvez seja escolha estratégica: tocar na emoção para vender o mesmo de novo. Em vez de criar algo que provoque e mude o jogo, nos entregam o conforto da lembrança. Conforto que pode ser acomodação e, às vezes, engano.
A Apple (e outras gigantes) têm recursos para (re)inventar o amanhã, mas estão ocupadas demais reciclando o ontem. E nós, consumidores, muitas vezes aplaudimos sem perceber que estamos comprando mais do mesmo, só que com bordas arredondadas e nomes bonitos.
No fim das contas, a transparência não é só visual… é também simbólica. E o que esse “vidro líquido” revela não é inovação. É repetição. É marketing vestido de revolução. É uma indústria que esqueceu como imaginar o novo, preferindo vender lembranças como se fossem novidade.
Claro, posso estar enganado. O Liquid Glass será o design dos novos devices da Apple, e talvez surpreenda muita gente. Talvez seja só o começo de algo realmente novo, ousado e diferente. Tomara. Porque os fãs merecem mais do que só versões bonitinhas do que já conhecemos (até para justificar o preço que pagam!).
Pessoalmente, nunca tive muita simpatia pelo Steve Jobs. Mesmo assim, não dá pra negar a importância dele na popularização da computação pessoal e sua habilidade de transformar tecnologia em objeto de desejo. Só não acredito que ele aprovaria o rumo que a Apple está tomando hoje.
Se eu acreditasse nesse papo de revirar no túmulo, diria que o Jobs estaria se contorcendo agora.
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